A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE E O TEATRO DE AUGUSTO BOAL
A partir de uma citação do próprio Boal pode ser iniciada uma aproximação entre a pedagogia de Paulo Freire e o teatro de Augusto Boal.
Para que se compreenda a Poética do Oprimido deve-se ter sempre presente seu principal objetivo: transformar o povo, “espectador”, ser passivo no fenômeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ação dramática. Espero que as diferenças fiquem bem claras: Aristóteles propõe uma Poética em que os espectadores delegam poderes ao personagem para que este atue e pense em seu lugar; Brecht propõe uma Poética em que o espectador delega poderes ao personagem para que este atue em seu lugar, mas se reserva o direito de pensar por si mesmo, muitas vezes em oposição ao personagem. No primeiro caso, produz-se uma “catarse”; no segundo, uma “conscientização”. O que a Poética do Oprimido propõe é a própria ação! O espectador não delega poderes ao personagem para que atue nem para que pense em seu lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel protagônico, transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções possíveis, debate projetos modificadores: em resumo, o espectador ensaia, preparando-se para a ação real. Por isso, eu creio que o teatro não é revolucionário em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente “ensaio” da revolução (BOAL, 2005).
Boal propõe uma estética próxima da conscientização proposta por Freire. O espect-ator é levado a agir cenicamente e teorizar sobre esse agir. E Freire propõe uma educação que centralizada na relação que é construída entre educador e educando.
Boal propõe uma estética próxima da conscientização proposta por Freire. O espect-ator é levado a agir cenicamente e teorizar sobre esse agir. E Freire propõe uma educação que centralizada na relação que é construída entre educador e educando.
Em sua estética, Boal, defende que todos somos atores, pois agimos. E espectadores, pois observamos.
Em um espetáculo stanislavskiano, o ator sabe que é ator, mas procura ignorar conscientemente a presença dos espectadores. Em um espetáculo brechtiano, o ator tem perfeita consciência da presença dos espectadores, que são, por ele, transformados em verdadeiros interlocutores... embora mudos (mesmo aqui permanece o monólogo): só em um espetáculo de Teatro-Fórum o espectador adquire voz e movimento, som e cor, e pode assim exprimir desejos e idéias: para isso foi inventado o Teatro do Oprimido! (BOAL, 1996)
O Teatro-Fórum é a própria dramatização da Pedagogia do Oprimido; um ensaio das ações propostas por essa pedagogia crítica e entusiasta. Freire e Boal propõem uma pedagogia, associando ao ensino as experiências vividas, ao trabalho, a pedagogia e a política através o uso dos seus métodos. Ambos os autores dão ênfase nas condições de uma prática educativa. Defendem a idéia de que educar é conhecer, é ler, e interpretar o mundo, para poder transformá-lo. (PARANHOS, 2009) Boal traz para o corpo a idéia que Freire começou na palavra.
FONTES:
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. RJ: Civilização Brasileira, 2005.
BOAL, Augusto. O Arco-Íris do Desejo. RJ: Civilização Brasileira, 1996.
PARANHOS, Edmur. Nós do-discentes e espect-atores! RJ, 2009.
Tese de mestrado da Universidade do Brasil - UFRJ
Disponível em:
http://www.educacao.ufrj.br/ppge/dissertacoes/dissertacao_edmur_nelson_nogueira_paranhos_junior.pdfSistema de exercícios e jogos do Teatro do Oprimido
O sentido da palavra “exercício”, aqui, está designado para todo movimento físico, muscular, respiratório, motor, vocal que ajude aquele que o faz a melhor conhecer e reconhecer seu corpo, seus músculos, seus nervos, suas estruturas musculares, suas relações com os outros corpos, a gravidade, objetos, espaços, dimensões, volumes, distâncias, pesos, velocidade e as relações entre essas diferentes forças. Os exercícios visam a um melhor conhecimento do corpo, seus mecanismos, suas atrofias, suas hipertrofias, sua capacidade de recuperação, reestruturação, re-harmonização. O exercício é uma reflexão física sobre si mesmo. Um monólogo, uma introversão.
Os jogos, em contrapartida, tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens. Os jogos são um diálogo, exigem um interlocutor, são extroversão.
Na realidade, os jogos e exercícios que aqui descrevo são antes de tudo joguexercícios, havendo muito de exercícios no jogos, e vice-versa. A diferença é, portanto, didática.
Esse arsenal foi escolhido em função dos objetivos do Teatro do Oprimido. São exercícios e jogos de teatro e podem – e, creio, devem! – ser utilizados por todos os que praticam teatro, profissionais ou amadores, do oprimido ou não! Em geral, uma parte foi adaptada às necessidades (a partir dos jogos de infância, por exemplo), e a outra inventada durante a prática do Teatro do Oprimido através de naus de quarenta anos de atividade profissional.
Os jogos saíram do princípio que envolve duas unidades, a primeira é a idéia de que o ser humano é uma unidade, um todo indivisível. Cientistas têm demonstrado que os aparelhos físico e psíquico são totalmente ligados, o trabalho de Stanislavski sobre as ações físicas vão também nesse sentido; idéias, emoções e sensações estão indissoluvelmente entrelaçadas.
A segunda unidade é a dos cinco sentidos. Eles não existem em separado, estão todos ligados entre si. As atividades corporais são atividades do corpo inteiro: respiramos com o corpo inteiro, mesmo que os pulmões e o aparelho respiratório tenham um importância prioritária no processo.
Para melhor compreender o que cada exercício intenciona trabalhar citaremos alguns jogos teatrais dividido em cinco blocos. No primeiro, procura-se diminuir a distância entre sentir e tocar, no segundo, entre escutar e ouvir, no terceiro, tenta-se desenvolver os vários sentidos ao mesmo tempo, no quarto, tenta-se ver tudo aquilo que se olha. No quinto, trabalha-se a memória dos sentidos para despertá-la.
Lembrando que ninguém deve tentar entregar-se ou dar continuidade a nenhum exercício se porventura tiver algum impedimento físico, como um problema de coluna, por exemplo. No Teatro do Oprimido, ninguém é compelido a fazer nada que não queira. E cada um deve saber o que quer, e o que pode.
SENTIR TUDO QUE SE TOCA (PRIMEIRO BLOCO)
A morte endurece o corpo, começando pelas articulações. Chaplin, o maior dos mímicos, o palhaço, o bailarino, já não podia dobrar os joelhos no fim da sua vida.
Assim, são bons todos os exercícios que dividem o corpo nas suas partes, seus músculos, e todos aqueles me que se ganha controle cerebral sobre cada músculo e cada parte, tarso, metatarso e dedos, cabeça, tórax, pelve, pernas, braços, face esquerda e direita etc.
É importante que os atores não comecem por exercícios violentos ou difíceis. Aconselho mesmo que, antes de iniciar uma sessão, os atores façam o espreguiçar em pé, que é isso mesmo: devem fazer os movimentos naturais de se espreguiçar na cama ao acordar, só que em pé.
EXERCÍCIO GERAL
Hipnotismo Colombiano
Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto de outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto sempre à mesma distância da mão do hipnotizador, os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso. O líder inicia uma série de movimentos com as mãos, retos circulares, para cima e para baixo, para os lados, fazendo com que o companheiro execute com o corpo todas as estruturas musculares possíveis, a fim de se equilibrar e manter a mesma distância entre o rosto e a mão. A mão hipnotizadora pode mudar, para fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja forçado a passar por entre as pernas do hipnotizador. As mãos do hipnotizador não devem jamais fazer movimentos muito rápidos, que não possam ser seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro a assumir tidas as posições ridículas, grotescas, não usuais: são precisamente estas que ajudam o ator a ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor sentir as mais usuais. O ator vai utilizar certo músculos esquecidos do seu corpo. Depois de uns minutos, trocam-se o hipnotizador e o hipnotizado. Alguns minutos mais, os dois atores se hipnotizam um ao outro: ambos estendem sua mão direita, e ambos obedecem à mão um do outro.
Variante
Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta vez, o ator dirige dois de seus companheiros, um com cada mão. O líder não deve parar o movimento nem de uma mão nem de outra. Esse exercício é para ele também. Pode cruzar suas mãos, obrigar um parceiro a passar por debaixo do outro (sem se tocarem). Cada corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se apoiar sobre o outro. O líder não pode fazer movimentos muito violento; ele não é um inimigo, mas um aliado, mesmo se está tentando sempre desequilibrar seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de maneira que os três atores possam experimentar ser o hipnotizador. Após uns minutos, os três atores em triângulo, hipnotizam-se uns aos outros, estendendo, à sua direita, sua mão direita obedecendo à mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda.
Variante
Hipnotismo com as mãos e com os pés. Como os precedentes, mas com quatros atores, um para cada pé e cada mão do líder. Este pode fazer qualquer movimento, inclusive dançar, cruzar os braços, dar voltas com o corpo pelo chão, saltar etc., mas sempre em câmera lenta. Os atores que seguem os pés devem seguir somente o dedão.
Variante
Com qualquer parte do corpo. Nesta variante, um ator vai ao centro e começa a mexer com todo o seu corpo, olhando sempre numa só direção; os outros fazem um círculo ao redor dele. Um primeiro voluntário se aproxima e se deixa hipnotizar por uma parte do corpo do líder (o ator no centro); em seguida, deve seguir todos os movimentos dessa parte do corpo, orelha, nariz, costa, nádegas, não importa qual. Um segundo ator se aproxima e faz o mesmo, podendo escolher qualquer parte do corpo de um ou de outro que já estejam na cena. O terceiro ator escolhe uma parte do corpo daqueles que estão no meio, até que todos os atores se deixem hipnotizar pelos corpos dos outros. Nesse momento, o primeiro ator pode dar uma ou mais voltas com seu corpo, lentamente, porque seus movimentos ficarão bastante magnificados quando repetidos pelo grupo, por causa da sua distância em relação ao centro do círculo. Em seguida, se o espaço for suficientemente grande, pode-se mandar que todos se afastem, ou se aproximem, da parte do corpo que os está hipnotizado.
AS CAMINHADAS
Entre todas as nossas mecanizações, a maneira de andar é, talvez, a mais freqüente. É verdade que temos nossa maneira individual de andar, muito particular em cada um de nós, sempre igual, quer dizer, mecanizada. Mas também é verdade que adaptamos nossa maneira de andar ao lugar onde estamos caminhando. O metrô de Paris, por exemplo, com seus longos corredores, faz com que aceleremos nossos passos. Certas ruas ao contrário, nos fazem andar bem devagar.
Mudar nossa maneira de andar nos faz ativar certas estruturas musculares pouco utilizadas e nos torna mais conscientes do nosso próprio corpo e de suas potencialidades.
Corrida em câmera lenta
Ganha o último a chegar, Uma vez iniciada a corrida, os atores não poderão interromper seus movimentos, que deverão ser executados os mais lentamente possível. Cada corredor deverá alongar as pernas ao máximo a cada passo. O pé para passar adiante da outra perna deve passar sempre acima da altura do joelho. É preciso que o ator, ao avançar, estique bem o seu corpo, porque com esse movimentos o pé vai romper o equilíbrio e, a cada centímetro que caminhar, uma nova estrutura muscular vai se organizar, instintivamente, ativando certos músculos adormecidos. Quando o pé bater no chão, deve-se ouvir o barulho. Imediatamente o outro pé se levantará. Esse exercício, que demanda um grande equilíbrio, estimula todos os músculos do corpo. Outra regra: os dois pés jamais poderão estar ao mesmo tempo no chão. Desde que o pé direito esteja pousado, o pé esquerdo deve subir, e vice-versa. Sempre um só pé no chão
“Como quiserdes”
Tentando modificar a forma habitual de andar, inclusive o ritmo, e variando diversas vezes durante o exercício.
MASSAGENS
O termo “massagem” não é o mais adequado para designar esta série de exercícios. A melhor descrição seria: um diálogo persuasivo entre os dedos de um parceiro e o corpo de outro. Este diálogo deve ser feito sem violência nem tampouco cócegas; nem agressão, nem carinho. Procuramos, acima de tudo, localizar as tensões musculares. É um diálogo, uma tentativa de acalmar, de relaxar os endurecimentos, as rijezas musculares através de movimentos repetitivos, circulares e em forma de cruz, com ponta dos dedos ou com a mão.
Tapete rolante
Todos deitados no chão, cabeças no mesmo sentido. A primeira pessoa da fila começa a rolar sobre os corpos dos camaradas até chegar do outro lado. Tão logo ela parta, a segunda pessoa a segue, depois a terceira, e assim por diante.
O demônio
Uma boa maneira de liberar as tensões. O ator salta de um pé para o outros, fazendo, com os braços, movimentos parecidos com aqueles que fazemos para secar água do corpo, ou para se exorcizar o demônio (nos países que eles existem, bem entendido...).
JOGOS DE INTEGRAÇÃO
Sentando-se nas pernas dos outros
Um ator senta-se numa cadeira, as pernas bem fechadas. Agarra a cintura de outro ator, que se senta sobre seus joelhos e segura, igualmente, a cintura de um terceiro,e assim por diante até que todos estejam sentados uns sobre os joelhos dos outros, e o último sobre a cadeira. Começam a dizer juntos “esquerda, direita” e a mexer o pé esquerdo, com ritmo. Tira-se a cadeira e ninguém cai. Porque estão todos sentados e agarrados uns nos outros. O primeiro da fila deve tentar se encaixar com o último – formando, assim, um círculo de pessoas sentados, todas em movimento. Neste momento, poderão soltar a cintura dos outros porque não terão mais necessidade de se agarrar – todos estarão confortavelmente sentados e equilibrados.
Batatinha frita, um, dois, três
(em Francês, un, deux, trois, soleil!)
Jogo muito conhecido também. Uma pessoa de frente para a parede sem olhar para os outros. Estes, que estão a uma certa distância, se aproximam. A pessoa que está na parede canta “batatinha frita, um, dois, três!”, lento ou rápido, e em seguida, vira-se na direção daqueles que se aproximam. Nesse momento, todos devem congelar, e aquele que for surpreendido andando deve retornar ao ponto de partida. Aquele que tocar a pessoa que está na parede ganha o jogo. (Faz parte dos jogos de salão, mas serve para unificar o grupo...).
ESCUTAR TUDO QUE SE OUVE E TRABALHANDO OUTROS SENTIDOS (SEGUNDO E TERCEIRO BLOCO)
Unificar o ritmo dentro do círculo
Todos os atores iniciam juntos um ritmo, com a voz, as mãos e as pernas, após alguns minutos, mudam lentamente, até que um ritmo novo se impõe, e assim sucessivamente, durante vários minutos.
Variante
Cada ator faz um ritmo isoladamente até que todos se unifiquem num único ritmo.
Variante
A um sinal dado, todos os atores começam a fazer um ritmo próprio e também um movimento que o acompanha. Depois de alguns minutos, tentam se aproximar uns dos outros, segundo as afinidades rítmicas. Os atores com maiores afinidades vão homogeneizando os seus ritmos até que todo o elenco esteja praticando o mesmo ritmo e o mesmo movimento. Isso pode não acontecer, mas não importa, desde que os grupos formados tenham seus ritmos e movimentos bem definidos.
Variante
Forma-se um círculo em que um pessoa inicia um ritmo e todos o seguem; o diretor dá um sinal, o círculo se rompe, e cada participante procura transformar aquele ritmo em outro que lhe seja individualmente mais agradável. O Diretor dá outro sinal e todos voltam ao círculo, mas agora cada um com seu próprio som e seu próprio movimento: observam-se e tentam unificar todos os ritmos em um só. Quando isso acontece, o diretor dá outro sinal; rompe-se o círculo, todos se afastam, individualizam seus ritmos, retornam ao círculo e reunificam-nos.
Fila de cinco atores
Filas de cinco atores. A primeira pessoa da fila faz um som e um gesto rítmicos, e os outros a imitam. A primeira pessoa vai para o fim da fila, e a que estava em segundo lugar passa para o primeiro, devendo adiciona um som e um festo rítmicos aos que já estão sendo feitos, e assim por diante, até que todos tenham dado sua contribuição, tornando a sua execução cada vez mais complexa.
Quanto “as” existem em um “a”?
Em círculo. Um ator vai até o centro e exprime um sentimento, sensação, emoção ou idéia, usando somente um dos muitos sons da letras “a”, com todas as inflexões, movimentos ou gestos com que for capaz de se expressar. Todos os outros atores, no círculo, repetirão o som e a ação duas vezes, tentando sentir também aquela emoção, sensação, sentimento ou idéia que originou o movimento e o som. Outro ator vai para o centro do círculo e expressa outros sentimentos, sensações, idéias ou emoções, seguindo novamente pelo grupo, duas vezes. Quando muitos já tiverem criado os seus próprios “as”, o diretor passa às outras vogais (e, i, o, u), depois passa a palavras habitualmente usadas no dia-a-dia, depois a “sim” querendo dizer “sim”, a “sim” querendo dizer “não”, a “não” querendo dizer “não”, e a “não” querendo dizer “sim”, e finalmente pede que utilizem frases inteiras, também das vidas cotidianas, sempre tentando expressar, com as mesmas frases, idéias, emoções, sensações e sentimentos diferentes.
MELODIA
Orquestra
Um pequeno grupo de atores monta uma orquestra, de preferência com objetos improvisados como instrumentos, enquanto os outros inventam um dança correspondente. A música deve ser melódica e mudar com freqüência: os atores devem permitir que seus corpos sejam invadidos por essa música sem premeditar nenhum movimento, deixar-se levar pela música, naturalmente.
SOM
Som e movimento
Um grupo de atores emite com a voz um determinado som (que pode ser de animais, folhagem, rua, fábrica), enquanto outro grupo faz movimentos com ele relacionados, como se fossem a sua visualização, isto é, se o som é “miau”, a imagem não será necessariamente um gato, mas sim a visualização que o ator tem desse som especial. A uma floresta de sons corresponderá uma floresta de imagens. A uma seqüência ritual de sons, uma seqüência ritual de imagens.
O RITMO DA RESPIRAÇÃO
Deitado de costas, completamente relaxado
O ator põe as mãos sobre o abdômem, expele todo o ar dos pulmões e lentamente inspira, enchendo o abdômen até não poder mais; expirar em seguida, repete lentamente esses movimentos diversas vezes. Faz o mesmo com as mãos sobre as costelas, enchendo o peito, especialmente a parte de baixo, diversas vezes. Idem, com as mãos sobre os ombros para cima, tentando encher a parte superior dos pulmões. Finalmente, faz as três respirações em seqüência, sempre pela ordem anterior.
EXERCÍCIOS CEGO
Em exercícios que se trabalham com um cego e um guia, convém que os dois trabalhem o exercício uma segunda vez, alternando os papéis.
A viagem imaginária
Em duplas. O cego deve ser conduzido pelo seu guia através de uma série de obstáculos reais ou imaginários, como se os dois estivessem em uma floresta, em um supermercado, na Lua, no deserto do Saara ou outro cenário real ou imaginário que o guia tenha em mente. Como em todos os exercícios desta natureza, falar é proibido; toda informação deve ser passada através do contato físico e dos sons. Sempre que possível, o guia deve fazer os mesmos movimentos do cego, ao imaginar sua própria história.
Fila de cegos
Duas filas, face a face. Os atores de uma das filas devem fechar os olhos e, com as mãos, examinar o rosto e as mãos dos atores à sua frente, na outra fila. Estes, em seguida, se dispersarão na sala, e os cegos deverão encontrar a pessoa que estava à sua frente, tocando mãos e faces.
VER TUDO QUE SE OLHA (QUARTO BLOCO)
Os exercícios desenvolvem a capacidade de observação pelo diálogo visual entre duas ou mais pessoas. Evidentemente, o uso simultâneo da linguagem verbal será proibido. Devem-se evitar igualmente os gestos simbólicos óbvios (OK, sim, não, etc.), pois correspondem exatamente às palavras que substituem.
O espelho simples
Duas filas de participantes, cada um olhando fixamente para a pessoa que está em frente, olho no olho. As pessoas da fila A são designadas como sujeitos, e as da fila B como imagens. O exercício começa e cada sujeito inicia uma série de movimento e de expressões fisionômicas, em câmera lenta, que devem ser reproduzidos nos mínimos detalhes pela imagem que tem em frente.
Sujeito e imagem trocam os papéis
Depois de alguns minutos, o diretor anuncia que as duas filas mudarão de função. Em seguida, dá o sinal para que mudem. Precisamente nesse instante, os participantes sujeitos transformam-se em imagens, e estas naqueles. Isso deve ser feito sem quebra de continuidade e com precisão. Quando se atinge a perfeição, o próprio movimento que estava sendo realizado no instante da troca deve continuar e seguir um rumo coerente, sem quebra, sem ruptura. Também aqui, o observador exterior não deve ser capaz de perceber que houve uma troca; isso, na verdade, ocorre sempre que a perfeição da reprodução e a sincronização gestual são totais.
MODELAGEM
O escultor toca o modelo
Duas filas, cada pessoa diante de outra. Uma das filas é de escultores, e a outra de estátuas. Começa o exercício e cada escultor trabalha com a estátua que deseja. Para isso, toca o corpo da estátua, cuidando de produzir os efeitos que deseja nos seus mínimos detalhes. Os escultores não podem usar a linguagem do espelho, isto é, não podem mostrar no próprio corpo a imagem ou a figura que gostariam de ver reproduzida – aqui não intervém o mimetismo, a reprodução – pois esse não é o diálogo do espelho, mas da modelagem. Portanto, é necessário tocar , modelar, e a cada festo do escultor corresponderá um gesto em conseqüência, a cada causa um efeito que não é idêntico. No diálogo dos espelhos, as duas pessoas estai sempre, sincronicamente, fazendo o mesmo gesto; no diálogo da modelagem, ainda que sincronicamente, estarão fazendo gestos complementares.
JOGOS DE IMAGEM
Jogo de bolas
Futebol, basquetebol, voleibol, etc. Dois times jogarão uma partida sem usar nenhuma bola, mas agindo como se tivessem uma. O diretor – juiz da partida – deve observar se o movimento imaginário da bola coincide com os movimentos dos atores, corrigindo-os se for necessário. Pode-se utilizar qualquer tipo de esporte coletivo para este tipo de exercício – pingue-pongue, tênis etc.
Luta de boxe
Duas pessoas em pé, com alguns metros de distância uma da outra, devem reagir imediatamente aos golpes dados pelo parceiro. O exercício será melhor se uma pessoa bater primeiro, várias vezes, enquanto a outra assimila os golpes; depois, elas trocarão os papéis – é difícil levar os golpes e reagir a eles ao mesmo tempo.
Variante (amante)
O mesmo que o anterior, exceto que as pessoas fazem carinhos mútuos ao invés de se atacarem. O casal deve reagir imediatamente a cada carinho distante.
Observação
Um ator fixa os seus companheiros durante alguns minutos; depois, de costas ou com olhos tapados, procura descrevê-los com o maior número possível de pormenores: cores, roupas, formas características especiais etc.
RELACIONANDO MEMÓRIA, EMOÇÃO E IMAGINAÇÃO (QUINTO BLOCO)
Ensaio da imaginação em cena
Tudo que veio em um episódio imaginado deve ser imediatamente representado em cena. Os outros ajudam o protagonista; o protagonista tenta realizar fisicamente tudo que está passando pela sua imaginação. Tentam-se usar as mesmas palavras e os mesmo objetos imaginados pelo protagonista.
Esses são alguns dos jogos e “joguexercícios” que o Teatro do Oprimido utiliza para preparação do ator e do não-ator. Eles podem ser usados na criação de personagens e espetáculos ou no trabalho com comunidades.
Fonte biliográfica: AUGUSTO BOAL, Jogos Para Atores e Não-Atores, 13ª, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2009.