segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Entrevistas com Boal

 


ENCONTRO MARCADO COM A ARTE



        
         Neste vídeo Augusto Boal fala dentre outras coisas que “nós somos pré-humanos”, mas o teatro pode ajudar na explosão da verdadeira humanidade, esta que só vai existir quando houver solidariedade. E que para sermos seres humanos é preciso ser solidário.
         Conta também um pouco de sua história, como começou como diretor (dirigindo os irmãos). Fala do encontro e casamentos de seus pais, pois dizer que é uma história bem engraçada e interessante.
         Ao falar de possíveis influenciadores diz: “A gente tem influência de todo mundo que é inteligente, de todo mundo que é criativo”. Trazendo a tona questões como a vivência social, e influências dos amigos. Para não ficarmos apenas nos grandes nomes. Diz ele: “A gente fala das influências do livro, mas das influências que vieram de outras pessoas. Às vezes, eu fui influenciado até por filósofos que não li, mas meus amigos leram”. Enfatiza que através de discussões, comentários de outras pessoas (que vem carregados de suas visões), pode transformar e influenciar pensamentos e visões. Fala que “isso também é estimulante, também é criativo”.
         Continua falando: “Quem mais me influenciou foram todos os meus amigos. Foram todos os escritores inteligentes, foram todas as pessoas criativas”.
         Esse vídeo termina com Boal falando um pouco de o que é o Teatro do oprimido. E dessa fala destaco esses trechos: “O Teatro do oprimido é baseado na idéia de que todo mundo é teatro mesmo que não faça teatro”.“Fazer teatro é aprender um ofício [...], mas ser teatro é ser humano”.

         Este vídeo é seqüência do anterior. Aqui Augusto Boal continua falando do teatro do oprimido. “Teatro do oprimido é um conjunto de exercícios e de técnicas especiais que ajudam qualquer cidadão [...] a perceber que falam teatro, são teatro”. A “usar bem uma linguagem que [já] estavam usando, querendo ou não querendo”.
         “O Teatro do oprimido é o teatro que pensa no passado, para analisando o passado, no presente, inventar o futuro”.
         As ultimas questões deste vídeo estão relacionadas a essa pergunta Você acredita em Deus? Para responde-lá Boal traz vários contextos e variantes que essa pergunta carrega. Como: “Dependendo do perguntador o conteúdo da pergunta e diferente. Em qual Deus você acredita? Que Deus? O que é Deus?” Ele desenvolve todo um raciocínio para que sua resposta ao final seja compreendida e não apenas jogada.


                                                                       
         Neste vídeo Boal fala de como gostaria de ser lembrado. Diz que como todo mundo deve querer, pelas coisas boas e não pelas ruins. E de fine o desejo de ser lembrado na prática e não de maneira contemplativa. “Gostaria de ser lembrado dinamicamente, na ação, na atividade das pessoas e não no retrospecto, não olhando para trás, mas olhando para frente. Gostaria de ser lembrado por pessoas que estão criando alguma coisa em direção ao futuro e usando aquilo que eu fiz no passado, estou fazendo no presente e ainda tenho, espero, um grande futuro pela frente”.
Começa a falar do gosto de fazer teatro e de como ocorre o processo criativo. Chegando na questão ‘Quem eu sou?’ Diz: “Sei quem eu quero ser. Sou aquilo que eu quero fazer. [...] Eu sou uma pessoa que está buscando. Eu sou uma pessoa que não pode ficar contente com aquilo só que fez, mas estou querendo mais. [...] Eu sou uma pessoa que busca. Eu sou uma busca”.
Não haveria melhor frase para destacar, se não essa. Terminar dando um bom exemplo de como devemos ser. Buscadores!


ENTREVISTA TV PERSONALIDADES - AUGUSTO BOAL
O programa contou com a participação do ator e diretor João Antônio e da Jornalista Josiane (coordenadora de jornalismo da Câmara dos Deputados)

Após uma breve apresentação dos presentes convidados é pedido a Boal que faça um relato rápido da trajetória do teatro do oprimido. Logo ele responde que “quando eu [Boal] contava rapidamente as coisas quando eu era jovem eram rápidas, agora que eu tenho 76, a caminho de 77”.
Mesmo com a brincadeira, Boal diz que vai ser rápido. Assim vai falar de quando foi preso, do teatro jornal. E logo a Jornalista Josiane questiona, rapidamente Boal retruca dizendo que “todo teatro é político. [...] Não existe neutralidade”.
João Antônio questiona: “O psicodrama usa técnicas de teatro para terapia, um pouco como o Arco Íris faz. O teatro do oprimido é um sociodrama ou é teatro mesmo?” Boal diz que não é um sociodrama, veja as argumentações de Boal assistindo ao vídeo. Entre outras coisas diz que no teatro temos o “espelho múltiplo do olhar dos outros”.


            Parte 2
Este segundo bloco do programa vem com o tema Cultura Brasileira. Boal vai falar sobre a escolha do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva quanto ao ministro da Cultura, Gilberto Gil. Diz que um ponto positivo foi a criação dos Pontos de Cultura. Lembra que quando mais novo existiam alguns mas que os de hoje são melhores pois são descentralizados, além de colaborar com projetos que já existiam, e esses projetos são livres para criar.
Fala ainda que estes pontos de cultura são armas contra a “3º Guerra em que vivemos” (nome que ele dá a esse momento de desinformação que nossa sociedade esta vivendo).
“A Terceira Guerra Mundial já começou, e já estamos perdendo essa guerra subliminar que não se manifesta nas suas formas espetaculares, com invasões e genocídios aos quais estamos assistindo na TV e pelos jornais, mas, precisamente, através desses mesmos meios de comunicação, autoritários e imperativos. Autoritários, na sua intransitividade; imperativos quando nos obrigam a acreditar na mentira” (BOAL, 2007).
A jornalista Josiane fala do “pensamento corrente hoje em dia de que a cultura também tem que ser produto, que ela também tem que vender e dar lucro” Bom rapidamente responde dizendo: “Isso é um grande erro que se comete. Existe o processo estético e o produto artístico. São duas coisas a mesma, mas em momentos diferentes. O que é mais importante para mim é o processo estético”.Termina esse vídeo falando disso, e do afloramento do pensamento sensível.
 BOAL, Augusto. Educação, Pedagogia e Cultura. CTO-Rio, 2007


Parte 3

O tema desse bloco do programa e: Augusto Boal e o futuro. Será que ainda existem áreas virgens para a investigação teatral?
Boal vai falando de suas vivencias e experiências com o trabalho na prisão. Fala na importância de trabalhar com o contexto inteiro e vais citando exemplos. Ao citar um exemplo vivido com o teatro na prisão, ele fala de como isso é um exemplo maximo de como deve ser o teatro: “os espectadores não devem ficar encarcerados nas suas poltronas.”





NO PALCO, Soluções para vida real -ENTREVISTA COM AUGUSTO BOAL

“Augusto Boal inovou e reinventou o teatro”, já disse sobre ele o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Mais importante do que assistir a um filme, diz o dramaturgo, é que as pessoas pensem também ser capazes de fazer filmes. Ou que as pessoas que recebam um livro para ler sejam também incentivadas a escrever livros elas mesmas. Essas afirmações definem não apenas Boal como todo o seu trabalho, mais que conhecido – praticado nos cinco continentes.
                                                                                                            Nestor Cozetti

Brasil de Fato – O que é o Teatro Legislativo?
Augusto Boal – O Teatro Legislativo foi a necessidade que nós sentíamos, antes de eu ser vereador, de transformar em lei aquilo que era um desejo manifestado pela população do Teatro Fórum. Neste, você apresenta o problema, e não as soluções possíveis. Por exemplo, o Shakespeare tem uma peça, Hamlet, em que ele fala que o texto deve ser um espelho, e esse espelho deve refletir a realidade como ela é: com nossos vícios e nossas virtudes. Isso é a opinião dele, o teatro é um espelho. Eu acho isso bonito e tudo. Mas ao mesmo tempo acho que a gente não tem que pensar só em compreender a realidade. Tem que procurar transformar a realidade. Esta sempre deve ser passível de uma transformação e vai necessitar sempre da transformação. Então, eu gostaria que o teatro fosse um espelho mágico, no qual você penetra e, não gostando da imagem que ele reflete, você vai lá dentro e lá modifica essa imagem. A gente sentiu que estava tendo idéias muito boas e tudo isso, mas na realidade a gente precisava de alguma lei. Mesmo que a gente saiba que as leis não são respeitadas no Brasil, é melhor tê-las ao nosso lado do que contra, contra nós. Então a gente começou a pensar na idéia de transformar em lei, entrando para a Câmara dos Vereadores. E eu fui candidato, fui eleito, por quatro anos.
BF – Por qual partido?
Boal – Pelo Partido dos Trabalhadores. Durante quatro anos a gente criou quase 20 grupos, no Rio de Janeiro inteiro, fazendo o Teatro Fórum. De 1993 a 1996. Chegamos a produzir quase 50 projetos de lei. Desses, 13 foram aprovados e hoje são leis. Algumas foram leis bastante localizadas.
BF – Projetos de lei surgiram dessas encenações?
Boal – Sim, com a platéia entrando em cena, havendo a discussão contraditória. Quer dizer, a peça trazia um problema, mas o primeiro espectador não achou uma solução boa, contra o segundo, o terceiro, o quinto. Então, fazendo muito o Teatro Fórum, a gente chegou a poder dizer: bom, o que eles estão querendo é uma lei nesse sentido. E eu apresentava essa lei. Entre elas, a primeira lei brasileira de proteção às testemunhas de crimes. Não havia nenhuma lei que protegesse as testemunhas. Nós fizemos durante meio ano, nas ruas, nas igrejas, nos sindicatos, nas escolas, em toda parte a gente ia, levava as peças e depois fazia a discussão teatral, com o espectador entrando em cena e dando sugestões. E aí, essa foi a primeira lei brasileira, que depois se transformou em uma lei estadual no Espírito Santo. E passou também a ser a base da lei federal.
BF – Fruto de uma encenação do Teatro do Oprimido?
Boal – Sim, de vários grupos, sobre o mesmo tema. Claro que depois o tema foi para Brasília, se ampliou enormemente, porque as possibilidades federais são bem maiores que as municipais. Quando eu saí (da Câmara de Vereadores) a gente continuou fazendo isso. Tem agora três ou quatro leis aprovadas depois que eu saí, porque é muito mais difícil manter a lei, sem ter um vereador ou deputado, assim totalmente empenhado.
BF – Como nasceu o Teatro do Oprimido?
Boal – Em 1970, quando eu trabalhei uma forma chamada Teatro Jornal, eram doze técnicas para ajudar as pessoas a transformarem notícias de jornal em cena teatral. Foi aí a semente do Teatro do Oprimido. O que aconteceu é que a gente não podia mais fazer teatro, tinha censura, invasão da polícia, prisões e tudo. Aí a gente falou: em vez de dar o produto acabado, vamos dar os meios de produção, a platéia produz o seu teatro.
BF – Um meio de produção cultural?
Boal – Sim, e teatral. Depois eu fui exilado, em 1971. Antes fui preso, torturado, aquela coisa “normal” da época. Fui banido, expulso do país. Na Argentina, comecei a desenvolver formas de teatro, como, por exemplo, o Teatro Invisível, em que a gente vai para a rua e faz uma cena, e não revela que é teatro, para que todo mundo participe. Depois, no Peru, é que eu comecei com o Teatro Fórum, em que a gente apresenta o problema, o espectador entra em cena e mostra alternativas. Então fui para Portugal, de lá passei a trabalhar em quase todos os países da Europa.
BF – E nesses países ficaram frutos de seu trabalho?
Boal – Sim, até hoje e cada vez mais. Na internet existe um página internacional do Teatro do Oprimido.
BF – Qual o endereço?
Boal – O nome é em inglês, porque a página é holandesa: www.theatreoftheoppressed.org/en. Então, você acessando aí vê que tem um mapa-mundi e aí você clica em qualquer continente e aparecem todos os países onde se pratica o Teatro do Oprimido. São, setenta, oitenta países. É o primeiro método da América Latina, de um continente do Hemisfério Sul, que é praticado no mundo inteiro.
BF – Por que você e o Teatro do Oprimido são excluídos da grande mídia?
Boal – Eu acho que todos aqueles artistas que fazem alguma coisa que é extremamente útil para a população e tudo, mas que não tem um gancho, como por exemplo um ator de televisão conhecido, ou algum outro evento que individualize as pessoas, esses são excluídos. Não é o Teatro do Oprimido, nem eu. É qualquer artista que não fizer assim. É excluído mesmo. Em geral, a mídia se interessa pela individualidade, só. E o que nós estamos tentando é fazer com que o Teatro do Oprimido seja usado em todo o tecido social. Não é ver, por exemplo, onde estão os talentos da favela da Maré. Nós não queremos transformá-los em atores de televisão, não é isso. Agora estamos lançando um projeto novo, que é a Estética do Oprimido. Nosso objetivo não é descobrir qual é o melhor poeta de Jacarepaguá, ou qual é o melhor pintor de tal lugar.
BF – Então, o que vocês querem não é o produto final, mas o processo de elaboração.
Boal – Sim, o processo estético é mais importante que o produto artístico. Agora, para quê a gente quer isso, não é um capricho, não é? É que a gente vive na Terceira Guerra Mundial, clara, e estamos perdendo. E essa guerra mundial que estamos perdendo é a guerra da informação. Liga a televisão, hoje, e você vai ver somente filmes estadunidenses, e só de violência. Você nota se o filme é estadunidense ou não, de inspiração em Hollywood ou não, se em cada cinco minutos tem um soco, um tiro, ou uma explosão. Aí isso é estadunidense. O filme europeu raramente tem isso.
BF – E o Teatro do Oprimido, também por não fazer isso não sai na mídia?
Boal – Não sai. Porque a gente quer é o contrário, quer que as pessoas em vez de ficar assimilando, produzam, produzam. Então elas vão questionar, inclusive, as informações recebidas. Se você é obrigado a escrever um poema, depois você se anima, porque os poetas se animam. Entre as domésticas, tem uma que não pára de escrever. Atola a gente de poemas.
BF – Essa é a Estética do Oprimido?
Boal – É isso, é fazer com que as pessoas se apropriem da arte. Não sejam massacradas pela informação.
BF – E como é o seu trabalho com os movimentos sociais?
Boal – Com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o trabalho é muito bom, mas seria melhor se a gente tivesse meios para isso. Há alguns anos, eles começaram a vir ao Rio de Janeiro, do Brasil inteiro. Trabalharam com a gente durante algum tempo, e passamos para eles o que podemos. Depois eles voltaram para seus Estados, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco etc., e lá eles começaram a desenvolver o Teatro o Oprimido.
BF – São dificuldades logísticas?
Boal – E econômicas. Mas a gente trabalha com eles. E também com os sindicatos dos bancários, dos professores. E estamos trabalhando com dez grupos da periferia. Nas prisões, em seis ou sete Estados brasileiros. Com um projeto de um ano e meio, com o Ministério da Justiça apoiando. E sai caro, porque você imagina ir daqui para Recife e voltar.
BF – Trabalho com os prisioneiros?
Boal – Fazemos as duas coisas. Desta vez tentamos fazer com os funcionários, para que se sintam também participantes desse processo. Quer dizer, que eles entendam que são oprimidos também, e que não resolvem a opressão deles oprimindo outros.
BF – E o que é para o senhor a democratização da cultura e meios de produção cultural?
Boal – Democratização da cultura é uma expressão que está sendo muito usada, mas num sentido que não me agrada. Porque é como se dissessem assim: existem algumas pessoas excepcionais, que são os produtores de cultura. Então, esses produtores de cultura vão democratizá-la levando a um maior número de pessoas. Mas o maior número é entendido como de consumidores, e não como de produtores de cultura. Acho mais importante ainda que as pessoas que recebem o filme sejam também capazes de poder pensar em fazer filme. Ou as pessoas que recebem um livro para ler sejam também incentivadas a escrever elas mesmas.
BF – É o que acontece com a democratização da comunicação, também queremos democratizar os meios de fabricar o jornal.
Boal – É, se você só democratizar a leitura, a exibição e tal, e transformar os outros somente em consumidores, é ruim. Mas tem que ser complementado com dizer: bom, nós viemos mostrar a vocês esses poemas. Agora escrevam vocês mesmos, vocês têm que escrever também. Democratizar a cultura é permitir que as pessoas criem cultura. É democratizar os produtores de cultura e não apenas da produção terminada. Senão se está criando mercados, e criar mercados não é o objetivo da cultura. E na informação é a mesma coisa, a gente tem que criar meios de informar, de contra-informar, de se opor informações para que dessa confrontação, para que dessas dúvidas, inclusive, nasçam certezas. E é isso o que a gente está tentando fazer. 

Entrevista publicada em novembro de 2005 na edição 141 do Brasil de Fato
Disponível em:
http://josekuller.wordpress.com/38-entrevista-com-augusto-boal/






CIDADÃO É O QUE TRANSFORMA A SOCIEDADE -ENTREVISTA COM AUGUSTO BOAL

Em poucas palavras, como o senhor definiria o Teatro do Oprimido?
Defendemos que todos nós podemos fazer teatro, que todos podemos ser personagens, de fato, de nossas próprias vidas. Por que temos de seguir a estética determinada pela classe dominante? O Teatro do Oprimido traz consigo a estética do oprimido. Ou seja, queremos que as pessoas retomem suas próprias palavras, imagens e sons.

Na prática, isso significa o quê?
Significa compreender que, hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores. O que a televisão oferece é um crime estético. E ainda acham estranho que alguém saia matando 15 pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens. As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção. O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nesses três campos: palavra, imagem e som.

Nos dê um exemplo desse trabalho. Como ele é feito, que resultados proporciona?
O Teatro do Oprimido é seguido, por exemplo, pelo MST. Há uns 10 anos, eles fundaram um grupo e quase 30 camponeses vieram conhecer o nosso trabalho. Passamos pra eles tudo que podíamos. Eles não vieram para consumir uma técnica, mas para receber instrumentos que pudessem usar em suas terras. Essa é também a ideia do Teatro do Oprimido ponto-a-ponto, que difunde o trabalho pelo Brasil. Temos multiplicadores do que fazemos aqui no Rio de Janeiro. Estamos em 16 Estados.
O que significa, para uma organização como o MST, ter grupos de teatro?

Significa ter o direito de tratar de certos assuntos a partir da visão deles, expor uma visão dos acontecimentos que não é aquela dos jornais, que coloca o MST como um bando de brutamontes. O teatro permite que o pensamento que está por trás do movimento seja exposto, retrabalhado.

Em linhas gerais, qual a sua avaliação do teatro brasileiro hoje?
Existe um mundo de teatros no Brasil. Nunca vi um espetáculo no Amazonas ou no Pará, então não posso avaliar. O que posso dizer é que a Lei Rouanet assassinou a criatividade do teatro. Ao transferir do governo, que representa o povo, para as empresas a decisão de onde investir, a Lei substitui o pensamento criativo pelo publicitário. Essa lei tem que acabar.

Muitos produtores dizem exatamente o oposto: se acabar a lei, acaba o teatro.
Não é a verdade. Há muitos grupos produzindo por aí. Esse dinheiro da lei deveria ser transferido para um fundo. A verba do fundo seria distribuída de acordo com a avaliação de comissões constituídas pela sociedade. A Lei não incentiva companhias como a minha, ou as de Zé Celso (Martinez Corrêa), Antunes Filho, Aderbal (Freire Filho) ou grupos como o Tapa. Ela só funciona para projetos isolados, individualistas. Se eu depender do apoio de uma empresa de macarrão, como vou produzir uma peça como Ralé, de Gorki, que fala sobre a fome?

Qual a sua avaliação do Ministério da Cultura?
Desde que o Gilberto Gil assumiu, temos, pela primeira vez, um Ministério da Cultura. Antes, até houve pessoas interessantes na pasta, mas nunca um Ministério de fato. Também acho que, pela primeira vez, deixou-se de pensar em cultura apenas como erudição, no sentido dos grandes clássicos literários, dos grandes pintores. O governo indicou que o Brasil deveria se apropriar do que já existia, daquilo que o povo faz. A cultura não é apenas o que o povo consome, é também o que o povo produz. Os pontos de cultura são isso, eles apoiam o que já existia.

O Teatro do Oprimido também foi beneficiado, não?
Sim, e o Gil disse até que servimos de inspiração para os pontos de cultura. Mas também trabalhamos com outros Ministérios, como Educação e Saúde. Fizemos um trabalho em escolas de cinco cidades, nas proximidades do Rio, e vimos o poder de transformação que o teatro exerceu sobre os alunos.
Nos dê um exemplo dessa transformação proporcionada pelo teatro. No caso dos hospitais psiquiátricos, há uma diminuição absurda no consumo de medicamentos. Trabalhamos com a saúde e não com a doença mental. Procuramos ativar a parte saudável do cérebro doente, estimulá-lo no que tem de vivo e criativo. Com isso, o teatro é capaz de devolver ao convívio social alguém que tinha se isolado. Nas comunidades carentes acontece o mesmo. Os programas populares da televisão são um massacre, impedem que as pessoas percebam o que está dentro delas. Elas apenas consomem o que lhes é imposto. O Teatro do Oprimido procura ajudá-las a encontrar seus próprios meios de expressão.

Que episódios, nessas andanças, mostraram ao senhor o sentido do seu trabalho?
Vários. Me lembro de um presídio, no interior de São Paulo, que funcionava como um leprosário. A população da cidade queria o isolamento total daqueles presos. Resolvemos fazer uma peça de teatro, com os presos, no meio de uma praça pública, e um morador era chamado para entrar em cena. Isso amenizou aquela relação conflituosa e violenta. Também de lembro de um preso, que era engraçado, e, numa cena, fez uma menina de 10 anos rir. A menina foi elogiá-lo. Ele se vira pra mim e diz: “É a primeira vez na minha vida que alguém me diz que eu sirvo para a alguma coisa”.

O senhor receberá, na França, uma homenagem da Unesco. Aqui no Brasil o senhor se considera reconhecido?
Sou reconhecido no meu trabalho, mas pela mídia, não. A imprensa só se interessaria pelo nosso grupo se formássemos três bailarinos que fossem dançar no Bolshoi. A mídia gosta de campeões. Campeão de Fórmula 1, filme campeão de bilheteria, qualquer coisa que chegue na frente, que represente a vitória. Mas o ser humano não é cavalo de corrida.

Nos anos 1950, o senhor fez parte do Teatro de Arena, que teve grande projeção e, ao seguir o caminho do Teatro do Oprimido, mudou o rumo da sua carreira. Foi consciente essa escolha?
Totalmente. A escolha individualista nunca esteve no meu horizonte. Quando era pequeno e trabalhava na padaria do meu pai, eu via aqueles operários que passavam o dia com um pão com manteiga e uma média e pensava: “Isso não pode continuar assim”. Eu acredito na solidariedade. Estou com 78 anos. Isso é muito tempo. Foi outro dia que nasci e não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria. Mas, mesmo com todas as dificuldades, o Teatro do Oprimido me realizou. Cidadão não é aquele que vive em sociedade, cidadão é aquele que transforma. E acredito que o Teatro do Oprimido tenha deixado alguma coisa para o mundo.
  
(*) - A última entrevista concedida por Augusto Boal – diretor de teatro, criador do teatro do oprimido, dramaturgo e ensaísta brasileiro –, falecido no sábado, foi concedida à jornalista Ana Paula Souza e publicada pela revista CartaCapital, 03-04-2009

Cultura e Educação, Entrevistas – 4 de maio de 2009.
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